quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

VIII - CASTILHO O MÁGICO

A DENSA NÉVOA ENCOBRINDO AQUELA PARTE de cidade nada mais era que uma tola cerração vinda das serrarias e das míseras e velhas fábricas de juta e castanha que margeavam a provinciazinha, frustrando, portanto, os moradores que ingenuamente acreditavam tratar-se de um novo fenoimeno climático. Envolto nesse triste nevoeiro, achava-se ele a procura de um bar para esconder-se e embebedar-se com a Vagina, ela que acabara por tornar-se cúmplice de todo seu amargor e alheamento. Avistaram um inferninho nas imediações do porto e caminharam para lá. Entraram. Dessa vez não foram os poucos os que se impressionaram coim a aparição deles, mas o lugar inteiro que emudeceu. Não deram muita importancia para aqueles olhares bestiais e se dirigiram logo ao balcão. Não tardou e tudo voltou como era. Ele pediu uma bebida e ela outra. Há dias que ela vinha acompanhando Constantino em seus porres e lamúrias e era sempre ela que o conduzia com zelo de volta para casa. Deprimi-a, porém, bem mais do que ele, o fato de cedo ou mais tarde não terem mais para onde voltar, tendo em vista a iminência de despejo decretada pela proprietária da casa por conta do aluguel atrasado. Vale ressaltar que Constantino morava alugado no Bairro das Violetas e ainda continuava desempregado.
Bom, as horas passavam com ele ali remoendo seus pecados; murmurando entre os dentes frases confusas e intercaladas. Entornava os copos e olhava de quando em quando para a rudeza e selvageria dos bebuns que se acotovelavam pelo bar, proferindo palavrões e bebendo sofregamente. Pareciam personagens saídos das páginas de Germinal. A analogia o fez sorrir e ele tomou uma golada.
"Devagar, Constantino." Prevenia a Vagina. Ele nada dizia. Havia já alguns dias, após o insucesso acasalar, que ele trocava não mais que breves palavras com ela, sem queixas, ofensas ou dissabores. Não demorou para um estivador de rosto inchado e vermelho aproximar-se deles oferecendo-se para pagar uma cerveja, no que Constantino rejeitou-o com um leve e cansado aceno de mãos.
"Só mais essa e vamnos embora, Constantino!" Ralhou a Vagina.
As poucas mulheres que haviam no bar insinuavam-se para Constantino, afinal ele não era de todo desinteressante assim. Tinha lá seus paramentos masculinos, que por distração minha quase acabei por omitir ao leitor. Constantino era um sujeito de ombros largos, rosto assimétrico - bem talhado - queixo proeminente, olhos miúdos e negros - bem negros - dando vazão a uma tristeza infantil de criança desamparada. Em face disso, talvez, uma gorda engraçou-se dele mas foi repelida pela Vagina que se mostrou inóspita quanto áquela estética. A gorda saiu borrifando, muito zangada.
"Velha, gorda e não tinha cintura. Me poupe, Constantino."
Observou a Vagina. Ele não ligou muito. Já não ligava para as muitas provocações da Vagina. Preparavam-se para deixar o lugar quando foram ingterpelados por um sujeito estranho, vindo dos fundos do bar:
"Senhores!!"
Corbia-lhe a cabeça uma cartola escura. Um paletó cinza, de malha grosseira, visivelmente amarrotado, sobrava-lhe no corpo pequeno e magro. Os sapatos eram velhos e demasiadamente gastos. Tinha o rosto pintado de branco, lembrando Carlitos. Fez uma breve reverencia ao casal e em seguida - num gesto brusco e rápido - retirou da orelha de Constantino, uma rosa que ofertou á Vagina, dizendo:
"Uma rosa para uma outra rosa." Ela, evidente, não conteve o riso, e por consideração a ele, o sujeito fez outra mágica retirando de dentro da cartola, um coelho azul. Os bebuns ali próximos se torciam em risos e aplausos como autênticas crianças.
"Azul?" Espantou-se a Vagina.
"Sim, azul. Acaso não seria essa ainda sua cor preferida?"
Ela riu de novo.
"Ah, Castilho, só você mesmo pra me fazer sorrir novamente."
O reconheceu pel íris deslocada e por sua irreverencia.
"Um mágico... só me faltava essa..." Resmungou, Constantino.
"E ele?" Quis saber o mágico.
"Um amigo."
O mágico que se chamava Castilho, sugeriu um outro bar, próximo das docas. O casal acatou. Andaram até lá sob a névoa que agora se dissipava aos pouquinhos expondo uma lua redonda e pávula. O lugar era bem aconchegante. Sentia-se o cheiro agradável do rio em conluio com a brisa mansa e o apito cansado e majestoso de um navio atracando.
"Quanto tempo, querido!"
"E tu, sua louca? O que fazes da vida?"
"As voltas com este aqui."
Apresentou Constantino a Castilho. Constantino cumprimentou-o com os olhos enfastiados, sem muito brilho.
"O que ele tem?" Perguntou o mágico.
"E que perdeu o emprego e não consegue arranjar outro. Somado a isso, há uma ordem de despejo e ele não consegue fazer amor comigo por causa de sua coluna estragada."
"Coitado..."
Constantino deu um gole considerado em sua cerveja e arredou sua cadeira para mais junto do mágico. Encarou-o nos olhos:
"Escuta, amigo! Não que me oponha mais á presença dela em minha testa, mesmo porque, de uns dias para cá, acabamos quase nos entendendo, não fosse a porcaria da minha coluna, mas acho que chegou a hora de nos separarmos, de modo que peço-lhe obsequiamente que a remova daqui, haja vista tratar-se o amigo de um mágico habilidoso, como bem demonstrou."
Castilho sorriu olhando desconcertante para a amiga Vagina.
"O que me diz, han?"
"É que não posso, seu Constantino."
"Mas por que não? não és um mágico?"
"Sou, mas é que nesse caso, elas tem vontade própria. De nada valeriam meus atributos de mágico."
"Estou certo de que é uma vontade dela também, não é minha querida"
"Infelizmente não depende de mim, amore."
"De quem então, raios?"
"Dele."
"Dele quem?"
"De quem nos rege."
Constantino piscou muitas vezes. Era sem dúvida um cacoete que irritava deveras a Vagina. Mas dessa vez ela não disse nada.
"Agora quanto ao fato de estarem desempregados, posso dar um jeito."
Tranquilizou o mágico.
"Como assim, Castilho?" Cíntia animou-se. Se tivesse mãozinhas, bateria palmas animadinha.
"O Guernica. circo onde trabalho, está de passagem na cidade. Posso falar com seu Boaventura, quem sabe ele não consegue um trabalho para vocês."
"Jura? O que me diz, querido?" Dirigiu-se a Constantino.
"Não é hora para brincadeiras." Respondeu ele.
"Vais gostar! Viajaremos muito. Conheceremos outros lugares..." Falava ela bastante excitada. "A não ser que prefiras morrer de frio e fome."
Era evidente que Constantino não estava em condições de determinar ou impor nada, nada além do que, havia expirado o prazo para deixarem a casa, portanto, não havia outra escolha...


"o palhaço" (Pablo Picasso)

Nenhum comentário:

Postar um comentário