sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

PARTE X - E ENFIM O FIM

CONSTANTINO ACORDOU SENTINDO-SE estranhamente leve. Acariciou cuidadosamente a superfície lisa de sua testa. Estaria sonhando? Pôs-se de pé num alto e foi ao encontro do espelho. O que viu ali o encheu de júbilo. Não havia ali senão a sua própria testa reluzente. Nenhum sinal dela. Beliscou-se para ver se estava sonhando. Não, não estava. Acariciou muitas vezes a testa lisa, a calvície triste. Sentiu vontade de gritar, dançar. Correu para avisar Joanna Faqquir que a Vagina havia finalmente partido. Tal qual foi sua surpresa ao saber que o Pênis também havia ido embora. O semblante de Joanna não era tão festivo quanto o de Constantino, mas ela sorria, de certo modo.
"Se foram! Se foram!" Gritava eufórico, Constantino.
"Cedo ou mais tarde eles partiriam, meu querido." Disse Joanna acariciando o seio esquerdo que outrora abrigava o Pênis.
"E não acha isso bom?"
"Me sinto um pouco vazia."
"Não se sentirá mais. Estarei com você."
Dizendo isso, ele a abraçou com ternura.
"Só não entendo porque eles demoram tanto em nos deixar."
"É que se apegam muito a gente." Explicou Joanna.
"Mas por que?"
"Acho que temos algo de diferente que os fascina. Algo que eles talvez busquem. Sildomar nunca me disse o que buscava. Mas eu o compreendia, assim como ele a mim."
Constantino piscou muitas vezes.Parecia não parar nunca mais de piscar.
"É, acho que no fundo sentirei falta dela também."
Todos no circo ficaram muito tristes com a partida dos membros, inclusive o mágico Castilho que tanto adorava a amiga Vagina.
"Ela vai mandar postais. Faz isso sempre quando parte." Disse o mágico com os olhos marejados de diamantes. Um velho truque para disfarçar suas lágrimas. Seu Boaventura, ao saber do ocorrido, lamentou muito, pois como a maioria, afeiçoara-se muito ao casal.
"E então, meu jovem? O que fará da vida, agora que a Vagina se foi?"
"Ainda não sei, seu Boaventura. Acho que voltar para casa."
"O circo agora é o seu lar. Fique conosco." Constantino sorriu meio sem jeito.
"Agora que a Vagina partiu, não há mais razão de eu permanecer aqui. Não servia de nada além de um pedestal para sua existencia. Um mero figurante de uma tragicomédia."
"Pense no que vai fazer daqui pra frente. O circo está de braços abertos."
Disse isso dando uns tapinhas de leve nas costas de Constantino.
No entanto, a parte mais difícil e dolorosa seria efetivamente convencer Joanna Faqquir a largar o circo e partir com ele.
"Não posso, Constantino, e sabes disso."
"Mas por que?"
"O circo é a minha vida." Disse ela naquela tarde melancólica de maio.
"Então não há outro jeito. Temos que nos separar."
Abraçou-a tão forte que quase a partiu em duas.

Aproveitando a ocasião em que o Circo Guernica estava de volta á provinciazinha, Constantino despediu-se de todos. Estava decidido mesmo a não ficar, por mais penoso que fosse, pois que ali fizera muitos amigos. Todos no circo vieram despedir-se dele: Seu Boaventura, o mágico Castilho, as gêmeas pitonisas, os palhaços todos e demais artistas. Joanna Faqquir não lhe viera dizer adeus. "Até melhor assim",refletiu ele. Seu Boaventura desejou-lhe muita sorte e ainda insistiu uma última vez para que ele ficasse, mas ele permanecia firme em seu intento. O curioso é que no meio daquela gente toda, um anão puxou-lhe timidamente o cós de sua calça. Constantino voltou-se surpreso para ele:
"Pires?"
"Olá, Constantino!"
"Mas o que faz aqui?"
"Procurando emprego. Também fui despedido da firma."
"E o que vai fazer agora?"
"Virar anão de circo. Já falei até com o dono, o seu Boaventura. Parece um sujeito de alma grande.
"Tenha certeza disso. Boa sorte, amigo!"
E Constantino partiu.

***

O TEMPO PASSOU E CONSTANTINO FINALMENTE conseguiu um novo emprego voltando a exercer a velha função de almoxarife em uma outra repartição. O Salário era bem melhor que o anterior e ele pôde alugar um canto decente para morar e voltar a escrever um novo livro. Um novo absurdo. Chamar-se-ia - já o tinha em mente, inclusive - O Homem com a abertura na testa." em homenagem a amiga Vagina que, de certo modo, lhe ensinara um pouco sobre os mistérios da vida e o fizera crescer.
E por falar nela, recebeu outro dia um postal de Katmandu e outro do Egito em que ela e o Pênis pousavam sorridentes nos corpos de um casal de turistas noruegueses que pareciam não se importarem muito com a aparição deles. Mandava-lhe também um beijo de carinho e de saudades bem no centro de sua testa.

fim

(agradeço com carinho aos que acompanharam essa novela)

"O Homem que perdeu o Cu" já está sendo postado no http://www.ohomemqueperdeuocu.wordpress.com/

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