terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

CAPITULO VI - CONSTANTINO É DEMITIDO E SE DEPRIME

NAQUELA MANHÃ LOGO AO CHEGAR Á REPARTIÇÃO,Constantino fora chamado com certa urgencia á sala do seu chefe. Já suspeitava vagamente do que se tratava:
"Coragem, Constantino, e nada de se humilhar pra este infeliz." Advertiu a Vagina.
"Por que não fecha esses lábios?" Resmungou ele. Cruzaram o corredor e adentraram a sala. O chefe falava ao telefone e fez sinal para que eles sentassem. Constantino esperou angustiosos minutos. Havia sobre a mesa, uma carta de demissão. Ele sentiu frio e tristeza na alma. O chefe finalmente desligou e voltou sua atenção para Constantino. Os olhos do chefe eram frios. Duros e frios como de um gavião.
"Creio que o senhor já sabe do que se trata, seu Constantino."
"Não, senhor, não sei."
"Está sendo demitido."
Ficou um tempo calado. Depois perguntou:
"E qual a razão de minha demissão, seu Valdeci?"
"Razões bem óbvias: Constrangimento aos colegas e desacato patronal." Constantino piscou muitas vezes.
"Não entendi, senhor."
"Entendeu sim, seu Constantino. Mas não precisa se preocupar. Iremos indenizá-lo direitinho. Vai poder finalmente realizar seu grande sonho que é de ir aio Caribe."
"Não quero ir mais ao Caribe, seu Valdeci. Preciso do meu emprego. Preciso terminar meu livro."
"Não se humilhe pra este infeliz, Constantino!" Meteu-se a Vagina.
"Veja lá como fala, vagininha. Não se esqueça que você é a grande culpada." Berrou o chefe.
"Ela está só de passagem, seu Valdeci. Hoje mesmo será removida da minha testa, prometo. Sua estada aqui é um mero equívoco."
"Não torne as coisas mais difíceis, seu Constantino."
"São vinte anos, seu Valdeci."
"Por isso mesmo. Não precisamos mais de seus serviços. Procure entender."
Constantino tinha os olhos lacrimejantes. Era de doer até nos objetos.
"Sem mais delongas. Assine a carta e vamos dar por encerrado o assunto." Sentenciou o chefe.
"Assina lolgo esse troço e enfia no rabo desse infeliz sem alma." Ruminou a Vagina.
Constantino não via outra saída. Com as mãos trêmulas, assinou a carta. Saiu cabisbaixo da mesma forma que entrou. Horas depois - em silencio - Constantino encaixotava suas coisas. Um anão emergido de uma pilha de papéis mofentos veio solidarizar-se com ele:
"Constantino..."
"Fala, Pires."
"O que vai ser de mim e desse almoxarifado, agora que voc6e foi demitido?"
"Não sei, Pires. Nem mesmo sei de mim."
"Então, desejo-lhe muita sorte, amigo."
"Obrigado, Pires."
Na saída, Cíntia quis saber:
"Quem era este, Constantino, que eu ainda não conhecia?"
"Quem, o Pires? Grande amigo. Começamos juntos no almoxarifado. Mas que diabos, isso não lhe interessa!"

***
Parou na primeira birosca que encontrou no caminho. Não havia ninguém e era onze de uma manhã bolorenta. Pediu uma dose de cachaça a um garoto que fazia ás vezes de atendente:
"Faz de propósito, não é Constantino?" Disse a Vagina, referindo-se ao lugar.
"Se não gostas dos lugares que frequento e da vida que levo, desapareça da minha testa."
"E acha que é assim, tão simples?" Você precisa de mim tanto quanto eu preciso de você, meu caro. É o que se chama de simbiose."
"Suma da minha testa! Você desgraça a minha vida."
O moleque serviu a dose sem tirar os olhos da testa de Constantino. Este deu uma talagada e pediu outra:
"Agora vai se matar nessa birosca fedida, é?"
"A vida é minha. Faço dela o que bem entender."
Veio a dose e outra talagada. O menino debruçado no balcão acompanhava curioso a discussão:
"Você é muito do seu ingrato, Constantino."
"Ah, agora eu sou o ingrato. Perdi o emprego por sua causa e agora sou o ingrato."
O menino coçava o nariz e ria. Tinha uns onze pra doze anos. Era feiinho e torradinho do sol.
"Tá vendo, meu filho? Reze para que nunca apareça em você uma dessas na testa."
"Tenho uma irmã que defeca pelo nariz, moço. Quando espirra, mela a gente todo." Disse o menino.
"Um cju no lugar do nariz. Essa é boa. Tá vendo, Constantino." Disse a Vagina equilibrando o riso.
"É, meu filho, vivemos a época das mutações."
"Ela é esposa do senhor?" Inquiriu o menino já bem animadinho.
"Deus me livre! Prefiro o ânus da sua irmã."
"Não liga não, maninho, ele é grosso assim mesmo. Vê uma dose. Vou acompanhar este infeliz." O menino serviu a dose e esfregou as mãos.
"Issshhh..." Onomatopeou a Vagina após uma golada. O sol já se punha com esgar feroz. As pessoas que passavam por ali eram tocadas pela curiosidade. Não tardou para que a birosca de beira de rua fosse tomada de gente. Mesas e cadeiras ganhavam a calçada. O menino nunca tinha visto tanto movimento assim e alegrava-se. Constantino e a Vagina, mergulhados ainda numa discussão calorosa, sequer davam conta do espetáculo que proporcionavam áquela gente toda. Havia até quem se solidarizasse mais com a Vagina do que com o próprio Constantino. Opiniões se dividiam gerando reflexões e discussões paralelas:
"É verdade o que a Vagina diz." Disse a mulher para o companheiro. "E eu que me dei tanto trabalho para um traste como você."
"Arrependida agora,é? Pois então pega as tuas coisas e suma da minha vida ainda hoje."
Na outra mesa:
"Você é uma puta! Nada além de uma puta!"
"Sou uma filha da puta sim, ou não estaria vivendo todo esse tempo ao teu lado."
Um bêbado mais exaltado gritava de sua mesa:
"Não deixa ela montar, não! Bota ela pra domir!"
Ao se aperceberem do clima pesado que pairava sobre o lugar, Constantino teve o bom senso de pagar a última dose e sair dali. Atravessou a rua em passos trôpegos e tomou um táxi:
"Para a Rua das Violetas, moço!"

"auto retrato" (Edvard Munch)

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