ESTRANHAMENTE NAQUELA MANHÃ, os sinos da Igreja bateram fora da hora. Os fiéis, os devassos, os inomináveis acudiram todos para lá. Quando ali chegaram, deram atônitos com o corpo do padre que ainda balançava no arsuspenso pelas grossas cordas do sino. Formou-se um leve burburinho que foi crescendo e tomando conta do bairro todo. A notícia chegou até a mercearia do seu Juca - o português - onde Constantino tomava seu costumeiro café e se inteirava das notícias pelo jornal. Ainda não havia chegado a mercearia, por sinal,mas já se encontrava á caminho, cruzando com rostos aflitos e calamitosos que passavam por ele afluindo em direção á praça. A esta altura, Constantino já havia assumido definitivamente a Vagina em sua testa e a expunha livremente, sendo motivo de pilhérias, elogios e cantadas diversas. Entrou na mercearia:
"Seu Juca, me vê meu café, sim?" O português inclinou-se sobre o balcão de vidro dando um longo assobio. Depois, comentou:
"Sempre bem acompanhado, hein, seu Constantino?"
"Me vê meu café é que é, seu Juca."
Sentou-se á mesa e folheou o jornal. A Vagina pôs-se a queixar-se do calor e do lugar.
"Tens um gosto, hein Constantino." Ele não lhe dera ouvidos. Na outra mesa, um bêbado amanhecido lançava-lhes olhares salientes. Vez ou outra Constantino desviava sua atenção para a celuema lá fora. Aproveitou a ocasião em que o português lhe servia o café e perguntou:
"Que diabos deu nessa gente hoje, seu Juca?"
"Então não sabes, gajo?"
"Não."
"O pároco enforcou-se." Constantino deixou cair pesadamente o jornal sobre a mesa.
"Cretino, esse padre! Além de tudo, mentiroso." Vociferou a Vagina.
"Pois não é que fala!" Espantou-se o português.
"Ah, vá á merda!" Disse ela zangada.
"Não ligue seu Juca. Mas me diga, o que houve então com o padre?" Recuperando-se do espanto, seu Juca explicou:
"A consciência deve ter pesado. Vivia a molestar as fiéis. Não respeitava nem as casadas. Dizem as más línguas que a Pretinha, filha de dona Rosenira, embuchou foi dele. Não duvido muito não. Esses padres alemães são safados." E atirando a toalhinha sobre o ombro, voltou para trás do balcão de vidro assobiando animadinho.
"E toda essa conversa de morrer com estilo. Cretino, mentiroso!" Tornou a comentar a Vagina, enraivecida. Constantino afrouxou a gravata. Uma outra preocupação de grau maior lhe veio á tona. O que diria na repartição quando o vissem chegar acompanhado da Vagina? E mais tarde, com os amigos de copo: O Adalberto, o Guimarães e o Rosa? Logo o Rosa, o mais provocador de todos eles. Como ela se comportaria sendo eles uns gozadores e ela atrevida demais? Foi a vez dele reclamar baixinho do calor:
"Não corre um vento! Um ventinho que seja! Dia seco. Imprestável..."
"A Lamentação" (Giotto Scravgni) -
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