segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

PARTE V - ADALBERTO, GUIMARÃES E O ROSA. OS AMIGOS DE CONSTANTINO


NA REPARTIÇÃO, A VAGINA PARECEU querer mesmo arruinar de vez com a reputação de Constantino. Começou caçoando de sua condição de funcionariozinho mal pago: "Em que testa eu vim parar?" Depois, com seu discurso feminista e absurdo acerca do papel das vaginas no mercado de trabalho, acabou por deixar o chefe de Constantino muito irritado. Causou também ira e ranger de dentes nas funcionárias, chamando-as de subalternas e submissas. E coroando o dia, divertiu as copeiras contando a elas, anedotas sobre as qualidades e os defeitos de um falo. Foi sem dúvida, um dia fatídico para Constantino que viu sua vida ruir-se em questão de horas. Por conta disso, terminou cedo o expediente não suportando mais tantos cochichos pelos corredores da repartição:
"Vamos embora! Você passou dos limites." Brandiu Constantino.
"Aonde vamos, querido?" Animou-se a Vagina.
"Não lhe interessa!"

***

Quem primeiro o viu chegar todo estranho por ali, foi o Rosa que acenou da mesa para ele:
"Olha o Constantino! Aqui, Constantino!!"
"E que diabos é aquilo em sua testa?" Estranhou Adalberto. Constantino caminhou até eles. Sentou-se. Guimarães fez sinal para vir mais chops. O lugar era animado e transbordava de bebuns. Refeitos da surpresa insólita, um deles, o Adalberto, perguntou:
"Então, Constantino? Não vai nos apresentar?"
"Claro! essa é a Cíntia. Cíntia, este é o Adalberto, acolá o Guimarães e ao seu lado, o Rosa."
Feito as apresentações, ele acendeu um cigarro. E aí então começaram as investidas:
"Diz aí, Cíntia, como é viver na testa de um infeliz desses?" Provocou o Rosa.
"É como viver na testa de qualquer infeliz, inclusive na sua." Fuzilou. Adalberto deu uma gargalhada. Constantino foi encolhendo-se na cadeira.
"Essa é das minhas." Falou Guimarães.
"Desde que não tenha sífilis, querido." Arrematou a Vagina.
"Bem atrevidinha, ela." Observou Guimarães, recompondo-se.
"Dizem que as vaginas são parasitas, é verdade?" Provocou novamente o Rosa.
"Quem lhe disse isso? sua mãe?" Rebateu ela.
"O Constantino me aparece com cada marmota." Observou Adalberto sacudindo a cabeça. "Garçom, um tira gosto!" Foi a vez da Vagina dar uma gargalhada escandalosa que se misturoú ás outras risadas soltas, no bar. Depois, suspirou entediada:
"Ai, ai..."
"Mas, sim, Constantino, e o livro? Em que pé está?" Desconversou Guimarães.
"Indo." Grunhiu, ele.
"Sabia, Cíntia, que Constantino está escrevendo uma novela?" Indagou Adalberto.
"Não. Não sabia. Ele não me diz nada. Só hoje vim saber que trabalha no almoxarifado e ainda por cima é religioso."
"Mais um livro que não vende." Interveio o Rosa, desdenhoso.
"Ainda me lembro do primeiro: teórico demais. E este então, um absurdo." Frisou Guimarães, que por ser jornalista, julgar-se-ia o mais culto dos três.
"Constantino devia parar com essa mania de ser escritor, você não acha, Cíntia?" Perguntou o Rosa.
"Tenho só três dias em sua testa, querido. Depois, ele é quem sabe." Respondeu secamente. Houve um breve silencio.
"O que faz da vida, Cíntia?" Todos aqui temos uma profissão. Guimarães, por exemplo, é jornalista, o Adalberto é gerente hoteleiro, e eu eu trabalho na câmara municipal."
"Ferrado aqui mesmo, só o Constantino. Vinte anos numa repartição." Acrescentou Adalberto.
"Então, Cíntia, o que faz?" Insistiu o Rosa.
"O que faço..." A Vagina pareceu refletir um pouco. "Bom, no momento estou desempregada. Mas já fiz de tudo um pouco. Comecei no circo, engolindo espadas. O circo faliu e aí tive que trabalhar como montadora numa fábrica. Não deu muito certo não e comecei a fazer bicos para poder viver. Virei-me us tempos com os produtos da Avon, mas achei muito chato. Meu último trabalho foi como garçonete numa casa noturna. Na época, residia no queixo de um travesti que me acolheu amorosamente. O gerente achou que eu tinha mais futuro como streep, foi então quem mandei ele aquele lugar e obviamente fui demetida. Desde então não tenho feito nada de especial. Queria mesmo era voltar a trabalhar no circo. Tá no sangue. Mas os circos hoje, tornaram-se decadentes. Acho que não existem mais. Achei por bem tirar umas férias. Tornei-me itinerante. É isso. Satisfeitos?"
"Comovente." Disse Rosa avizinhando-se dela. Constantino bocejava.
"Tenho uma tese acerca das vaginas modernas." Falou categórico, Guimarães.
"Então nos fale, meu catedrático Guimarães." Disse Rosa fazendo pose de ouvinte interessado.
"A Vagina moderna assumiu três qualidades incontestáveis."
"Quais?" Os dois quiseram saber.
"Tornaram-se arrogantes, mais seletivas e meras reprodutoras."
"E o que nos diz o Constantino?" Adalberto virou-se para ele. Em resposta, Constantino encolheu os ombros.
"Vê-se a inutilidade do homem diante de uma vagina. Sthendal é que tinha razão: "quando os homens perdem a cabeça, as vaginas adquirem sobre eles sua aparente sjuperioridade." Parodiou Guimarães.
"Nesse caso, meju caro, mais uma qualidade." Observou Rosa.
"??"
"São oportunistas."
A gargalhada dos três foi geral. A cabeça de Constantino girava bem devagar, enquanto a Vagina encarava com um meio sorriso os três amigos que davam risadas.
"Pelo visto a discussão aqui resvalou para o culto." Observou Adalberto.
"Se a Cíntia não resoilveu baixar o nível." Disse Guimarães.
"Mas e aí, Cíntia? O que me diz dessa tese?" Perguntou Rosa, triunfal.
"Guimarães não passa de um jornalistazinho, leitor de rodapé." Respondeu ela. O sorriso de Guimarães foi aos poucos se dissolvendo. Rosa e Adalberto ainda riam á beça. "E você, Rosa, com este outro aí com cara resignada de flautista de chorinho, não passam de uns idiotas. Constantino, quero ir ao banheiro!"
Ordenou ela.O corpo suculento de Adalberto ainda dava espasmos de tanto rir. Rosa soprava as cinzas do cigarro que lhe caiam nos ombros e também ria. Ria muito. Guimarães fez uma careta depois do derradeiro gole e reclamou mais chops.
"Essa tal de Cíntia é mesmo atrevida."
"O que ela tem de atrevida tem de graciosa. Repararam na penugem loira em volta dos lábios?"
"Tem é muita sorte, o Constantino. Vive de brisa e ainda lhe nasce uma vagina de graça."
"Devia dá era graças á Deus. Elas andam tão ariscas."
"Dessa vez sossega."
"Só se for com um infarto."
"Ou então escreva algo mais decente."
"Ou indecente. Agora com uma vagina na testa."
"Aquela da sífilis foi ótima. Tem senso de humor."
"Tão desatualizada."
"Já não achei tanto."
"Elas tem resposta pra tudo."
"Do orifício virá a grande desgraça."
"Ih, já tá bêbado."
"Lá vem eles, calados!"
O casal voltou e acomodou-se á mesa.
"Me dá um cigarro, coisinha." Disse a Vagina á Guimarães.
"Essa eu quero ver." Animou-se o Rosa. Guimarães, num gesto nobre, acndeu-lhe o cigarro. A Vagina deu uma longa tragada. Se tivesse pernas, as cruzaria com extraordinária elegancia.
"E ainda sabe tragar, a vadia..." Murmurou injuriado, Adalberto.
Eram quase uma da manhã e o garçom já os olhava bastante zangado enquanto empilhava as mesas. A esta altura, Constantino desfalecia sobre a cadeira. Rosa, bem próximo da Vagina, sussurrou-lhe alguma coisa arrancando-lhe um sorriso encabulado.
"Olha só o sacana do Rosa, cantando a Vagina."
"E olha como ela ri. No fundo, são todas umas safadas."
Confabulavam indignados os dois amigos. Foi então que numa atitude insana, Rosa tascou um beijo na testa de Constantino. Ou melhor, na Vagina. Um beijo que se prolongou por minutos.
"Olha só! Tá vendo? Deu-se bem o cafajeste do Rosa."
Ouviu-se então um urro agonizante que ecoou pelos quatro cantos do bar, já vazio. Rosa levantou-se num salto e, aos gritos, ganhou rumo ignorado. Um filete de sangue escorria calado do canto da Vagina. Sobre a mesa, jazia um pedaço insignificante de carne misturado com as azeitonas frias.
"Mas o que aconteceu?"
Constantino despertou com o grito. Os outros dois olhavam-se boquiabertos.
"Dessa vez ele aprende! Agora paga a nossa parte e vamos embora!" Ordenou a Vagina.
No dia seguinte, graças a Guimarães que ganhou respeito pelo furo, lia-se estampado nos jornais:

NUMA FÚRIA HEDIONDA E INEXPLICÁVEL, VAGINA ARRANCA FORA A PONTA DA LÍNGUA DE UM FUNCIONÁRIO MUNICIPAL, NO BAR.

"... logo a ponta?"
"... e pare de piscar, isso me irrita!"

"Night café in Mollin Rouge" (Lautrec)

Nenhum comentário:

Postar um comentário