quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

PARTE VII - CONSTANTINO E A VAGINA TENTAM FAZER AMOR OU É COMO O SOL QUE NUNCA FECUNDA A LUA

CONSTANTINO EMPENHOU-SE O BASTANTE em conseguir outro emprego, mas os esforços pareciam-lhe em vão, ainda mais quando Cíntia punha-se em querer ajudá-lo nas entrevistas, aí era um Deus nos acuda. Tal situação acabou por mergulhá-lo em desespero e depressão. Ela, por sua vez, percebendo da gravidade do problema, tentava a todo custo reanimá-lo, sugerindo que ele empreendesse a sua tão sonhada viagem ao Caribe ou a qualquer lugar que fosse:
"Ainda por cima, zombas da minha da dor."
"Então chega de se lamuriar, homem. Levanta essa cabeça!"
Constantino ruminou diversos planos de ação. Até que uma ideia lampejou-lhe a mente. Para vingar-se dela, ele passou a boicotar-lhe a presença, ignorando sumariamente suas provocações. E para acirrar mais ainda o confronto, fingiu voltar ao tal livro fazendo voto de silencio. Fingimento sim, pois que há muito - antes mesmo da aparição dela - sabia-se incapaz de prosseguir escrevendo; uma linha sequer, para dizer a verdade. Mas tudo era válido para exorcizar o demonio em sua testa. E pareceu surtir efeito tal jogo, pois que Cíntia irritava-se mais e mais. O que se passou a ouvir pela casa nos dias que se seguiram eram apenas o baque surdo das horas e o toque de seus dedos nas teclas de um computador sem alma. Quando não, Strauss tocando baixinho. Tinha preferencia por Strauss mais que qualquer outro músico.
"Té parece... como podes gostar de música clássica e frequentar lugares chulos? Não te entendo mesmo, Constantino. És a contradição deste século."
Ele não lhe dava ouvidos.
"O que tanto escreve, afinal?" Teimava ela. "Não compensa tanto esforço. Não ouviu o Rosa falar?"
Ou então para deixá-lo aborrecido, assobiava por horas um desses sambinhas miseráveis que tocam nas rádios ou cantarolava um bolero inventado. Ele, ao contrário, parecia mesmo determinado em não se deixar abater, seguindo com seu estratagema.
"Não vamos mais sair?" Ficaremos agora aqui enclausurados com você bancando o escritor? paciência..."
O plano, porém, mostrou-se eficaz. No quarto ou quinto dia, ela fechara os lábios.

***

Daquela vez quem acordou animado e assobiando modinhas, foi Constantino. E ele tinha lá suas razões, é óbvio: havia se passado dois dias que Cíntia não lhe dirigia a palavra. Curioso e como era de costume, ele foi ao banheiro inspecionar a testa. Aproximou-se lentamente do espelho, os olhos fechados na esperança de que ao abri-los, teria a grata surpresa de não vê-la mais ali, residindo em seu corpo. De que tudo não passara de uma alucinação ou pesadelo. Mas para sua infelicidade ela ainda permanecia teimosamente no mesmo lugar. No entanto, notara curiosamente que a penugem loira contornando os grossos lábios, tornara-se mais volumosa. Era duro aceitar, mais a cada dia a Vagina ficava mais atraente. Por alguma razão, ele se sentiu tentado em acariciar-lhe ternamente os tufos loiros e o clitóris encrespadinho, no que ela, ao leve toque, contraia-se em sinal de protesto ou repulsa. Constantino tratou logo de afastar a ideia absurda que lhe perpassou a mente. Além do mais, precisava continuar pondo em prática seu plano de ação. Cedo ou mais tarde, ela desistiria de tudo e tudo então voltaria ao normal. Assim o suponha.
De bom humor e loquaz, Constantino resolveu naquele dia pôr fim em seu claustro. Voltou a distrair-se revendo os amigos e conhecendo gente nova. Se fazia parte de algum jogo, ela também sabia jogar tão bem quanto ele. Sendo assim, a Vagina e ele, cada um ao seu modo e, ignorando a presença um do outro, arregimentavam amizades diversas por onde passavam, ela, é claro, bem mais do que ele, pois que possuía, além de uma natureza extrovertida, carisma e graciosidade. Os mais atirados lançavam-lhe propostas indecorosas ou até mesmo sérias demais, que ela, por consideração ao seu hospedeiro, tratava logo de repelir as investidas:
"Bobos e ocos como bulbos sem luz." Cacofoniava.
Constantino não se considerava até então um sujeito ciumento, mas o comportamento da Vagina mexia de certo modo com seus nervos, despertando nele, emoções absurdas.
Ao passo de alguns dias, acabou por render-se ao ver ruir a tênue esperança de ver o seu plano atingir êxito. Aconteceu, no entanto, que certo dia, ao retornarem de uma dessas noitadas quase sempre vazias, Cíntia dirigiu-se a ele de forma estranhamente afetuosa:
"Por que não tentamos, quem sabe..."
Apanhado de surpresa, Constantino não atinou de imediato com aquela insinuação. Ela mesma se encarregou de explicar-lhe:
"No fundo é o que todos desejam. Parecem viver todos em função disso. Mas já não me importo tanto."
A voz soava lânguida, doce.
"Que ideia, essa sua."
"Em troca, peço-lhe somenta uma trégua. A solidão mata."
Constantino piscou muitas vezes. Era como ele demonstrava sua forma de fazer uso da razão e ela odiava o cacoete."
"Estas bêbada, é isso."
"Estou sendo apenas prudente."
Refutou bastante ao pedido dela, levando em conta seu espírito ardil, leviano e vingativo, sobretudo o que ela fizera com o pobre do Rosa e tudo o mais que ela ainda era capaz de fazer. Por outro lado, considerou a proposta interessante, posto que não tinha muita escolha ou o que perder. Ademais, bem lá no fundo do seu intimo, ardia-lhe um curioso e pretenso desejo de possuí-la. Decerto quer não seria uma tarefa das mais fáceis, o que lhe valeriam esforços imensos, diria até sobrehumanos para um homem com um pouco mais de 40 e com sérios problemas lombares. Ainda sim, impulsionado pela aventura insólita a que se arriscaria, se pôs no chão da sala em posição de lótus, meditativo, olhos semicerrados:

"Mas que diabos é isso, Constantino?" Estranhou ela.
"É Ioga. Deu certo com minha miopia e com minha hernia de disco."
"Besteira!"
Ela sugeriu um bom vinho e eles encaminharam-se á mercearia mais próxima. Fazia uma noite fria. Uma noite com hálito de amantes.
Na volta, Constantino portou-se como um lorde, enchendo suas taças de vinho e selecionando a capricho, cd's antigos e românticos. Entre um copo e outro, discorreram sobre suas vidas, planos, projetos; riram e se embebedaram com cautela.
"E se eu engravidar?" Indagou ele. Ela deu uma gargalhada. Pareciam dois velhos amantes que se entendiam. Pelas tantas, ela sentiu que era a hora e ele também. Seu pênis respondeu ao leve impulso da vontade e pôs-se ereto. Não era grande, tão pouco pequeno. Dir-se-ia um membro médio, viril e grosso. Foi inclinando a testa em sua direção. Tocava qualquer coisa dos anos setenta. Havia de conseguir, sim. Lembrou-se que na puberdade abocanhara o próprio pênis ganhando uma aposta que fizera com os colegas que achavam que ele não conseguiria. Mas ele conseguiu e tornou-se perito naquilo. Logo o alcunharam de "O menino elástico". Ganhou fama e respeito no bairro todo. Ahh, mas isso já foi há muito tempo atrás. Hoje a cronologia era outra. Contava 45, levava uma vida sedentaria e ainda tinha o diabo da coluna que o infernizava.
"Um pouco mais, querido... um pouquinho mais..."
Encorajava a Vagina. Ele sentiu dores nas costas e recuou fumegante. Tentara uma segunda e terceira vez. O esforço era por demais e ele suava á cântaros. Na quarta tentativa, chegara a roçar de leve os lábios dela, mas sentiu dores novamente e recuou. Desistiu e foi até a janela tomar ar.
"Tens razão! Sou um imprestável."
Ela não disse nada. Fez silencio na casa. Lá fora, a noite, triste, mugia. Houve outras tentativas, é claro. Todas com insucesso. Por fim, desistiram.
Era como o sol que nunca fecundaria a lua...


"cão latindo pra lua" (Miró)

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