sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

APRESENTAÇÃO - O HOMEM COM A ABERTURA NA TESTA

Os papéis que tremem á brisa quente de uma tarde de sábado querem a liberdade de correr livre pela Joaquim Nabuco como papéis ordinários que ao impulso de uma lufada entrecortam os passos pesados dos transeuntes minguados do centro de Manaus. Para o escritor, entretanto, ali estava a sua obra expressa, para além da mera ideia de entidade: a experiência que se construia desde a sua boca se constitui aos meus ouvidos como a revelação inspirada de que fala Octávio Paz - a recriação de nós mesmos.
De repente eu não estava sentada em frente ao Diretório Central dos Estudantes fumando meu pigarrento Lucky Strike, não. Tinha sido tragada pela experiência ancestral de ouvir a uma estória e era ao mesmo tempo a indiazinha ouvindo as cosmogonias da sua tribo, a senhorita medieval observando com o povo o auto que traduz a fé e a mulher solitária que se senta ao fundo da sala de cinema, sedentas pelo enredar da história que se configura nessa tradição humanizadora de contar suas próprias histórias com metáforas, com o sagrado.
"O Homem com a abertura na testa" que Márcio Santana teve o bom gosto de ler para mim é, como toda revelação inspirada, uma fábula de delicada poesia de forças (que se confrontam e convergem para o humano em cada um) femininas e masculinas; fábula construída com a linguagem brutal do cotidiano fantástico no qual se inserem as personagens. Aponta com sarcasmo para a plenitude, onde essas forças opostas se complementariam numa desequilibrada harmonia onde o sexo é a energia potencial das ações desencadeadas.
É com esse texto que Márcio Santana dá os primeiros passos dentro da construção do fantástico e se esgueira pelo patamar de uma literatura amazonense que me parece mais comprometida com a Manaus do século XXI- a que tantas vezes nos soa tão estranha quanto as situações arquitetadas nessa novela. E se esgueira estando próxima das praças, das pessoas, da loucura dos caminhos baixos da cidade, sempre se utilizando de um olhar poeticamente terrorista.
"O Homem com a abertura na testa" também já cabe no que ítalo Calvino nos fala sobre o estilo. "(...) o elemento sobrenatural que ocupa o centro desses enredos aparece sempre carregado de sentido, como a irrupção do inconsciente, do reprimido, do esquecido, do que se distanciou de nossa atenção racional (...)", pois que trabalha com alegorias da realidade social na qual nos encontramos. Sociedade essa que dialoga com nuances do gênero, com camadas de sexualidade, com a aceitação de novas epistemologias comportamentais que nos permitem encontrar o feminino no interior do masculino e vice-versa.

Daniela Moraes.

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